Eis uma discussão que não realizamos durante os cursos: a questão da avaliação durante as aulas de musicalização!
Na pedagogia tradicional os métodos convencionais de avaliação, como as provas objetivas, testes padronizados, provas orais ou apenas baseadas naquilo que o aluno expressa verbalmente ou descritivamente eram suficientes para que fosse realizada uma avaliação em sala de aula. O objetivo era verificar se os alunos haviam “aprendido” os conteúdos, ou melhor, decorado as respostas que o professor considerava como corretas. Afinal, o papel do professor era o de transmitir conhecimentos e o do aluno, receber passivamente estas informações e armazená-las em algum canto da mente, para posteriormente externalizar isto no momento da prova. Os testes eram aplicados com o intuito de nivelar, classificar os alunos através das notas que receberiam de acordo com aquilo que o professor considerava como respostas corretas ou incorretas. Dessa forma, as provas tradicionais eram um instrumento suficiente para dar conta dos objetivos da escola tradicional que era o de transmitir os conteúdos validados como essenciais pelos detentores de conhecimento, ou seja, os professores, e verificar se os alunos haviam absorvido estas informações. Junto às transmissões de informações, os alunos recebiam uma série de exercícios, muitas vezes desprovidos de significado. Entretanto, de tanto agir sobre o conteúdo, muitas vezes o os alunos acabavam, através de regulações ativas, por internalizar o que estava em jogo sem maiores compreensões.
Nas aulas de música não era diferente. As informações eram sucedidas por exercícios de adestramento técnico, na maioria das vezes, gerados pelo professor de modo personalizado, pois através da avaliação que se fazia sobre cada aluno, o professor tinha como objetivo o aperfeiçoamento da destreza técnica e reprodução de obras consagradas no meio erudito. Nas primeiras avaliações diagnósticas, muitas vezes, alguns alunos eram dispensados, pois eram considerados inaptos musicalmente falando. Entretanto, os que continuavam, costumavam passar pela seguinte rotina: depois dos exercícios, as provas de teoria, solfejo e percepção eram aplicadas como forma avaliativa para verificar o nível de aprendizagem de cada aluno, para que se pudesse partir, então, para um nível mais complexo. Quanto à capacidade de produzir autonomamente, de criar ou improvisar, refletir sobre a experiência musical, isto não era levado em consideração. Portanto, estes quesitos não eram avaliados pelos professores. Desse modo, as avaliações restringiam-se às dimensões Materiais (elementos musicais isolados) e Expressivas (fraseado, dinâmica, ritmo), desprezando-se as dimensões de Forma (execução em si, relações entre gestos, padrões e frases) e Valor (reflexão sobre a experiência musical), conforme conceitos avaliativos criados por Swanwick (2003).
Ainda hoje podemos verificar no cenário da educação musical professores que ensinam música desarticulando teoria e prática ou que classificam alunos como aptos ou inaptos para participar de uma vivência musical. Alguns muitas vezes iniciam o processo de educação musical pela teoria e somente após as primeiras instruções teóricas é que levam o aluno a se expressar musicalmente. Citando Souza, Menezes (2008) comenta que o conhecimento musical não se restringe a conhecimentos teóricos e que a decodificação dos símbolos teórico-musicais é apenas um aspecto a ser verificado no processo avaliativo.
Menezes propõe também que através do sistema de notas, classifica-se o aluno como inferior, médio ou superior, o que pode ocasionar estigma em relação ao seu desempenho e não uma real avaliação de seu processo de aprendizagem.
Outra problemática que a autora propõe é referente à música, como conteúdo extraclasse, ou seja, ministrada através de oficinas, cujos docentes não são cobrados a avaliar os alunos, mesmo que estes cursos façam parte do plano pedagógico da escola.. O fato de se apresentarem nas datas comemorativas já comprovaria o êxito do processo, o que nem sempre é real, pois as atividades realizadas em grupo podem mascarar os processos individuais. Menezes afirma que este tipo de prática é bastante freqüente e se origina na desvalorização da “educação musical como linguagem e área de conhecimento”. Desse modo, citando Del Ben, a autora propõe que a concepção de muitos docentes é de que a música é desprovida de conteúdos objetivos e está atrelado apenas ao plano das emoções. Desse modo, a produção musical dos alunos não pode ser avaliada, pois está relacionada apenas a aspectos psicológicos, individuais, ao plano dos sentimentos e emoções. Menezes, então propõe que “Sem um planejamento cuidadoso que considere os saberes dos alunos, com conteúdos claros, objetivos específicos ou seqüência instrucional, a aula de música fica resumida apenas à expressão individual de cada um de forma descontextualizada” (idem, p. 214).
Os métodos atuais de ensino e aprendizagem necessitam de novas maneiras de avaliação do aluno. Assim, refletir sobre o modo pelo qual devemos agir quando avaliamos no ambiente de educação musical é muito importante.
Em um ambiente pedagógico, podemos dizer que deve existir a avaliação em dois sentidos básicos: a avaliação formativa e a avaliação final. Toda a vez que o professor analisa suas próprias ações como docente, se aquilo que propõe está contribuindo para a aprendizagem dos alunos, observa a progressão das condutas dos discentes, está, mesmo que de forma inconsciente, se auto-avaliando e avaliando seus alunos. Isto é essencial, pois é uma forma de agir como professor pesquisador lato sensu, ou seja, aquele que observa a eficácia do ensino e da aprendizagem do aluno. Podemos chamar esta forma progressiva de avaliar de avaliação formativa. Esta avaliação só terá sentido se o professor souber aonde quer chegar, ou seja, se ele estabelecer objetivos e metas para trabalhar com os conteúdos a serem construídos de acordo com aquilo que é significativo para seus alunos, ou de acordo com suas possibilidades, as quais chamamos de esquemas de assimilação, numa linguagem piagetiana. Dessa forma, podemos dizer que o professor avalia seus alunos sempre através de um escopo teórico que possui, mesmo que não tenha consciência sobre isso.
A avaliação formativa, desta forma está ligada aos modos de compreensão que o professor possui sobre os processos de ensino e aprendizagem. Se ele pensa, por exemplo, que o sujeito constrói conhecimento somente através da recepção passiva de informações, considerará que o mesmo estará se construindo musicalmente quanto mais informações receber ou quanto mais listas de exercícios repetitivos lhe forem repassadas. Neste caso, a avaliação formativa não tem muito sentido, pois o alvo do professor é o resultado final, ou seja, a produção final musical do aluno, que deverá executar peças com perfeição, ler ou solfejar com o máximo de perfeição possível, através de condutas reprodutivas sobre os conteúdos eleitos como os “de valor”! Em outro caso, se o professor pensa que as ações espontâneas, quaisquer que sejam, fazem com que o sujeito produza conhecimento, somente pelo mero fato de se expressar, sem que lhe seja proposto um desafio determinado para desenvolver conteúdo específico, ele avaliará como legítimas quaisquer manifestações do aluno e não contribuirá para seu aperfeiçoamento. É o caso dos professores que pensam que música é expressão de subjetividades e sentimentos apenas.
Assim, nas aulas de música podemos encontrar vários tipos de avaliação formativa, de acordo com as teorias que permeiam as condutas docentes.
Quanto à avaliação final, ela é importante para verificarmos a progressão de conhecimento dos nossos alunos no final de um período bimestral, trimestral ou semestral, de acordo com o plano pedagógico de cada instituição de ensino.
Nos casos citados acima, no ensino tradicional musical, temos os exercícios de adestramento técnico e uma avaliação que não visa à construção de conhecimento dos alunos, mas apenas ao acúmulo de experiências, muitas vezes sem sentido e decoradas. Portanto, a avaliação formativa é parca e a final é hiper valorizada. No segundo caso, quando o professor não interfere no processo formativo com feed-backs adequados, pois acredita que alguns possuem por natureza a capacidade de agir de modo mais ou menos organizado em termos musicais, a avaliação praticamente não acontece: nem a formativa e nem mesmo a final.
Entretanto, devemos ter clareza de que ambos os tipos de formação são importantes, pois, enquanto a avaliação formativa dá conta de analisar os processos de ensino e aprendizagem, para que possamos interferir orientando e propondo novos desafios, a avaliação final deixa claro em que nível os alunos chegaram ao final de determinado período. Assim, através da avaliação final, podemos preparar o prosseguimento da nossa formação de modo mais significativo, sabendo em que nível de desenvolvimento os alunos se encontram, para podermos basear nossas condutas novas didático-pedagógicas musicais para dar prosseguimento à formação.
Devemos ter em mente que o escopo teórico de cada professor, seus saberes sobre a função educativa, e não apenas a prática cotidiana, sempre acaba norteando a elaboração de instrumentos de avaliação. Desta forma, aquilo que o professor tem como objetivos educacionais em Educação Musical será o alvo de suas avaliações. Se ele não possuir um referencial bem definido, isto prejudicará suas escolhas de instrumentos avaliativos.
A música é um fenômeno complexo, que possui várias dimensões. Dessa forma, Swanwick (2003) propõe que a avaliação deve estar relacionada, desde os níveis mais elementares, sobre a consciência e controle dos materiais sonoros, cujo aluno deveria demonstrar níveis de diferenciação entre os parâmetros do som e o manuseio técnico de seu instrumento ou voz. Progressivamente, o aluno deveria tomar consciência e controlar sua expressividade, através do domínio de seu gesto, do ritmo e dinâmica musical. Conforme explica o autor, somente em níveis mais avançados é que o domínio e controle da forma musical ganhariam espaço, isto é, a consciência sobre as relações existentes entre as formas expressivas, os contrastes e conexões entre os elementos da linguagem musical. O professor atento sobre estes aspectos perceberá que não é que isso não ocorra nas origens das condutas musicais dos alunos. Apenas compreenderá que ocorre de forma mais elementar e que progressivamente irá se complexificando, conforme os alunos vão construindo seus conhecimentos musicais. Num patamar mais elevado de consciência sobre o objeto musical, Swanwick, finalmente propõe que o professor também deve estar atento à consciência do aluno sobre o valor pessoal e cultural da música, demonstrado por sua capacidade autônoma de criar, improvisar, enfim, ser criativo sem perder o compromisso, por exemplo, com determinado estilo.
Desse modo, pode-se perceber o quanto podemos considerar as idéias de Swanwick como modelos de avaliação construtivista, pois ele se preocupa em propor uma avaliação sobre os vários aspectos implícitos na construção do objeto musical.
ANDRADE, Margaret Amaral de. Avaliação do canto coral: funções e critérios. In: HENTSCHKE e SOUZA (org.) Avaliação em Música: reflexões e práticas. São Paulo: Moderna, 2008, p. 76-89.
HENTSCHKE, Liane; AZEVEDO, Maria Cristina de C. C. de; ARAÚJO, Rosane C. de. Os saberes docentes na formação do professor: perspectivas teóricas para a educação musical. Revista da Abem, Porto Alegre, n. 15, p. 49-58, 2006.
MENEZES, Mara. Avaliação em Educação Musical: construção e aplicação do Programa de Avaliação em Música (PAM) Anais do XVIII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPPOM), Salvador, 2008, p. 213 -217.
SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. São Paulo:
ótimo artigo
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