quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Fortalecimento de identidade através da música
A Revista de nº 18 da ABEM - Número especial de outubro de 2007 - está repleta de bons artigos. Alguns excertos, já trouxe para o blog, mas este será mais comprido, pois o artigo de Beatriz Ilari intitulado "Música, identidade e relações humanas em um país mestiço: implicações para a educação musical na América latina" traz excelentes depoimentos e análises sobre as funções psicológicas da música na vida humana.
Para começar, quero expor parte de seus protocolos recolhidos no Maranhão com um grupo de jovens que tocam o tambor de crioula, enquanto moças aprendem a dançar a Umbigada. Vamos ao relato de Ilari (p. 38)
"Enquanto os outros rapazes afinam os tambores, Ari, Paulo e Denis sentam-se em dois engradados de refrigerante vazios e falam sobre suas dificuldades e esperanças. Os três me explicam que é no pequeno quintal da casa de Paulo que eles reúnem os tocadores (rapazes) e as dançarinas (moças), algumas vezes na semana. Lá, os
rapazes aprendem a tocar os ritmos intricados do crivador, do meião e do tambor grande que compõem a música do tambor de crioula, enquanto as meninas dançam e se divertem com a umbigada. É nesse contexto que o grupo todo também discute questões relativas à origem da dança, e à consciência negra. Denis, que até então ouvia calado, entra na conversa e fala da importância que tem um grupo de tambor de crioula, formado só por crianças e jovens no Maranhão:
– Essa é a nossa música. Se os jovens (nós) não aprendermos, daqui a pouco ninguém se lembra mais como é. E essa música é nossa, dos negros maranhenses. Você sabia que o tambor de crioula é uma das danças mais antigas do Brasil?
Denis se anima e prossegue me contando as origens do tambor de crioula e de suas relações com a música da atualidade; ele fala sobre a escravidão no Brasil, sobre a discriminação dos negros e sobre a importância da cultura afro-brasileira para o país e para o mundo. Ele também fala do sonho de tocar com o grupo de tambor de crioula no Rio de Janeiro, na cidade maravilhosa. A seguir, num gesto típico de menino, ele interrompe a conversa e me convida para ver os colegas que estão dançando Zeca Pagodinho na sala da casa de Paulo. Ao entrarmos na sala, ele me diz: – O Zeca Pagodinho é do Rio de Janeiro, mas ele também é nosso, né?"
Ilari comenta esses fatos relacionando a música a uma espécie de instrumento de negociação e fortalecimento de identidades. Vejamos.
"No grupo de tambor de crioula de São Benedito, os jovens apropriam-se da cultura e a partir dela adquirem conhecimentos e desenvolvem diversas competências de ordem musica (Gardner, 1983)como tocar em conjunto, cantar, improvisar e dançar. Através de ensaios, de discussões de questões referentes à consciência negra e do conhecimento
das origens históricas e culturais do tambor de crioula, os jovens reforçam a auto-estima exercitando aquilo que Merriam (1964) denominou “função de representação simbólica da música”. Além disso, as experiências no tambor de crioula dão aos jovens – tocadores e dançarinas – oportunidades para construir (e/ou reconstruir), expressar e negociar suas identidades pessoal, cultural e nacional". (p. 38-39)
A autora aponta para as seguintes funções da música nos diversos espaços pesquisados: regulação do humor e dos afetos; fortalecimento de vínculos interpessoais (algo que já apontei amplamente em minha própria tese); apropriação cultural e empoderamento.
Quanto a esta última função, vale a pena ler o que a autora analisa:
" [...] em todas as narrativas ficou evidente que as crianças e jovens se apropriaram, não apenas do repertório que aprendiam, mas também da cultura da qual esses repertórios fazem parte. Como disse Green (1997),a música não é neutra. A apropriação cultural dota as crianças e jovens de poder; poder este que lhes permite sonhar com possibilidades futuras". (p. 41)
Enfim, mesmo que a música não deva ter apenas um caráter utilitário e, portanto, uma função, mesmo que saibamos que ela deve ser sobretudo expressão artística e cultural, não se deve negar as funções da música nas diversas sociedades. Assim, concordo com a autora quando diz que:
"Enquanto não formos capazes de reconhecer o valor das inúmeras práticas musicais originadas pela mistura cultural de nosso continente, continuaremos a viver em países onde a cultura permanece “um brinquedo dos ricos” (Levi-Strauss, 1955, p. 97); as demais práticas, não-oficiais, permanecerão invisíveis (Dimenstein, 2005).".(p. 42)
Ilari termina seu texto com uma bela citação:
"Nós, latino-americanos, precisamos urgentemente reconhecer que há múltiplas concepções de educação musical na América Latina que são igualmente importantes. Somente através da minimização das hierarquias existentes na área da educação musical e do reconhecimento da música como competência humana que assume inúmeras funções da música na vida dos indivíduos, é que teremos uma educação musical forte e libertária em nosso continente".(p. 43)
Bem, compartilhar com vocês, durante estes últimos dias, os excertos de minhas leituras é uma forma interessante de estudar, e de certa forma, fichar as coisas que leio, pois postando estas passagens por aqui, não me esquecerei daquilo que será mais importante para as análises de minha pesquisa. Está passando por este blog um desfile de respeitados e renomados autores (meus colegas pesquisadores da área de educação musical do Brasil) que poderão servir de referência para aqueles que pretendem refletir, assim como nós, sobre essa área.
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