sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Rose Hikiji: A música e o risco - Importantes reflexões sobre a música como intervenção social

Durante este mês, estou realizando leituras para analisar minha pesquisa sobre a musicalização que acontece nos projetos sociais do Vale do Paranhana. Deparei-me com esta linda obra de Rose Hikiji, a qual estou lendo com muita atenção, pois será importante referencial teórico de meu próprio estudo atual: "A Música e o Risco", obra publicada em 2006 pela editora Edusp.

A obra foi escrita baseada na tese de Doutorado da autora que procurou observar a musicalização dos internos na Febem e do Projeto Guri, em seus vários pólos, originados pela iniciativa paulista da Secretaria de Educação e Cultura de ensino da música por meio de orquestras didáticas e corais para público prioritariamente de baixa renda. Hikijo procura compreender qual a especificidade do aprendizado musical nestes espaços. Procura também saber porque e como a música seduz e envolve seus praticantes e que experiências o fazer musical possibilita aos sujeitos "ditos" carentes.

O estudo oferece amplas pistas sobre a importância e o destaque dado à musicalização nos projetos sociais que trabalham com menores de idade.

Gostaria de compartilhar aqui excertos que me tocaram profundamente ao realizar minha leitura de hoje.

Este primeiro, parece-me uma análise bastante foucaultiana da autora, mesmo que inconsciente, e muito pertinente. Ela está se referindo à prática musical da Febem:
"A prática musical - e sua corporalidade - confronta-se diretamente com o controle corporal imposto pela instituição. Como apontarei a seguir, há distinções óbvias como o cuidado com o corpo - manifesto na massagem antes do canto, no alongamento antes da prática instrumental - e a agressão ao mesmo, comum na rotina institucional (nos espancamentos, ameaças, restrições de liberdade e no controle das necessidades fisiológicas). Há também dimensões mais sutis, mas não menos poderosas: ser tocado pela professora que ensina uma determinada postura com suas próprias mãos (e não aos gritos de comando: "cabeça baixa, mãos para trás"); ouvir ao maestro o pedido de cantar mais "suave" - e buscar em sua memória a sensação de suavidade; ser perfumado antes de subir ao palco para uma apresentação..." (p. 123-124)

Chocantes as observações de Hikiji e bem verdadeiras. São estes constrastes que fazem com que o menor tenha desejos contraditórios, conforme também aborda a autora em sua obra:
"[...] presenciei jovens 'despertados'pelo fazer musical, jovens que percebiam suas potencialidades e as limitações decorrentes de sua situação, seja de preso, seja de pobre. Jovens que percebiam o prazer decorrente da produção de sons, de música, mas sabiam que dificilmente teriam acesso a esse prazer do outro lado dos muros. E o aluno que fala para o professor 'quando sair daqui quero roubar um contrabaixo' é a expressão da explosão da dicotomia, um retrato da contradição" (p. 145-146)

Hikiji, sobre música e desejo traça a seguinte reflexão:
"A música desperta desejos. Isto é fundamental para superar situações de baixa auto-estima, como a estimulada pelo ambiente das instituições totais (refere-se a prisões, conventos, manicômios), ou mesmo em situações de carência material ou emocional. O educador Cesare de La Rocca, criador do projeto Axé, vê a possibilidade de recuperação da auto-estima justamente por meio de uma 'pedagogia do desejo', que trabalhe o indivíduo para que ele tenha o desejo de ter desejos." (p. 145)

Bem, essas e outras tantas citações do livro fazem-me refletir profundamente sobre os cenários e entrevistas que realizei nos projetos do Vale do Paranhana. Fazem-me também pensar na falência do sistema punitivo do país e também nas reflexões que realizamos, justamente sobre a gênese do desenvolvimento moral na criança que vai de encontro a posturas puramente heterônomas, necessitando-se de espaços de autonomia e cooperação para que a criança realmente desenvolva sua subjetividade, e também suas relações sociais saudáveis. Estes excertos de Hikiji vão ao encontro do que pensei em minha própria tese de doutorado, quando abordei os espaços cooperativos de construção coletiva musical, como espaços que garantem não somente a construção do conhecimento musical, mas também o desenvolvimento subjetivo, simbólico, lógico e social saudável dos sujeitos que se musicalizam em grupo.

Um comentário:

  1. Has estractado 3 situaciones conmovedoras de ese libro!!!. Muy interesante!!

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